sexta-feira, 6 de março de 2009

Sexta entrevista - Manchete / 1978


10 de junho de 78.


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Nesta entrevista Lula conta suas experiências de trabalho desde os 11 anos numa tinturaria, até seu emprego atual na Villares. Conta também que já chegou a acreditar "muito na legislação existente” e confessa que o que mais o impressiona é a solidariedade entre os trabalhadores. Caracteriza como torturante a relação a relação operário-máquina e não deixa de apontar a mesquinhez dos chefe. Mas fala também de problemas mais gerais da classe. Da necessidade de o trabalhador entender que greve não é baderna; das relações ente trabalhadores, multinacionais e empresários brasileiros; de sua conversa com o general Dilermando, comandante do II Exército; da Igreja, do movimento estudantil e da CGT.



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Quais foram seus primeiros empregos? - Com 11 anos já trabalhava numa tinturaria. Ia à escola de manhã e à tarde entregava roupa. Saí de lá antes de fazer l4 anos e fui trabalhar como auxiliar de escritório. Era telefonista.


- Em que bairro morava? - No Ipiranga. Depois entrei numa fábrica, que me mandou para o Senai. Após três anos de curso eu me formei torneiro mecânico. E comecei a mudar de emprego, procurando melhor salário. Depois de formado, achei que a empresa que tinha me mandado para o Senai tentava me explorar, por julgar que eu devia favores a ela. Eles queriam que eu trabalhasse mais tempo, ganhando pouco, a pretexto de compensar os meses em que eu estive no Senai. Aí pedi a conta, com quatro anos e pouco de firma.


- Firma pequena? - Firma pequena, sim. Depois trabalhei 11 meses em outra empresa. Saí porque exigiam que eu fizesse e extraordinário aos sábados e eu não queria. Aí entrei na Villares, dia 21 de janeiro de l966. E estou lá até hoje.



- Você sempre teve consciência das falhas da legislação na proteção ao trabalhador? - Não. Numa determinada época d sua vida, o trabalhador, ainda despreparado, acredita muito na legislação existente. Só depois comecei realmente a perceber o quanto era falha a legislação. Foi quando comecei a freqüentar o sindicato, em l968. Percebi, então, que nem tudo era cor-de-rosa como queriam que fosse.


 - Hoje, como presidente de sindicato, você precisa ter muito contato com os patrões. Como o trabalhador brasileiro vê seu patrão?
- Dificilmente o patrão desce à fábrica, aos operários. Esse contato fica para os intermediários, o relações-industriais das empresas. Pouquíssimos trabalhadores já conversaram com seus patrões. Há, por exemplo, um conceito generalizado entre os trabalhadores segundo o qual muita coisa ruim acontece na empresa porque o patrão não sabe. Mas eu acho que o trabalhador também vê o patrão – não como inimigo – mas como uma pessoa que tenta explorá-lo, que tenta tirar do trabalhador o máximo de lucro com o mínimo de despesa. É uma visão que passa a ter principalmente após perceber o quanto é importante o serviço que faz e como é pouco o que lhe pagam. Às vezes o trabalhador faz 10, 12, 15 ou 30 peças e nem sequer ganha o equivalente ao valor de uma única peça produzida. E quem percebe isso é principalmente aquele trabalhador profissionalizado, que foi à escola e fez curso.


 - Que casos ocorridos em fábricas mais o impressionaram durante todos estes anos? - O que mais me impressiona é a solidariedade entre os trabalhadores. É comum a gente ter problemas, ficar sem dinheiro – por exemplo – até para condução, problemas em casa, essas coisas. E sempre os colegas se prontificam a ajudar. Quando entrei na Villares estava em situação financeira muito ruim. Às vezes não tinha dinheiro nem para o almoço, o café. Mas os companheiros ajudavam, davam vales de refeição. Outra coisa, quando se é novo no emprego, nota-se a vontade que os outros têm de ensinar, de ajudar. O novato sempre fica nervoso porque está sendo testado, mas o companheiro ajuda, pois está dentro das manhas da empresa e tudo. É uma solidariedade que marca muito. E sempre existiu. O que precisávamos - e o trabalhador parece agora tomar consciência disso – era tirar os problemas do campo individual, canalizá-los para o coletivo. Pois, afinal, o problema é de todos.


- Em São Paulo o trabalhador se diverte? Tem lazer? - Não. Todo trabalhador gostaria de chegar num fim de semana e ir parques, jardins, teatro. Mas nos grandes centros urbanos quase não existe lazer. Quando eu era solteiro, costumava fazer rodinhas de amigos no sábado à tarde. A noite, ia ao baile. Às a0 da manhã de domingo, costumava tomar umas biritas com os companheiros – e depois, baile outra vez. Depois de casado, o programa é visitar parentes e, quando o tempo ajuda, pescar na represa. Após o nascimento do caçula, não podemos mais ir ao cinema – não temos com quem deixar as duas crianças. Teatro, a gente não pode pagar, pois fica na base de Cr$ 70,00 a Cr$ 80,00 o ingresso. Uma vez fui ver o Costinha (2 ptos) 50 paus a entrada para mim e mais 50 para a mulher. E quando ela ficou sabendo que ía custar 100, protestou (2 ptos) “então é melhor gastar na feira.”


- Como você vê, na prática, o relacionamento do trabalhador com a máquina – tema de Chaplin em Tempos Modernos – e de muitos filmes italianos atuais? - É, de fato, torturante. O homem fica muito subordinado à máquina. Ele é preparado para se adaptar à capacidade de produção da máquina. Se essa capacidade é de 10.000 peças, o homem tem de produzir aquelas 10000 peças – tem que rebolar para conseguir essa quantidade. No caso do torneiro mecânico – e de outros profissionais – é um pouco diferente, porque o trabalho exige conhecimento técnico. Mesmo assim, não há liberdade para fazer a peça conforme a capacidade e a resistência física da pessoa, porque o tempo é marcado. Quando chega peça a ser feita, a gente já estranha, pois o nosso tempo de serviço vai ser calculado por um cara que nunca mexeu com a peça. Essa gente calcula, por exemplo, duas horas para a peça. Se fazemos em menos de duas horas, sabe o que acontece? A peça seguinte àquela terá prazo menor. E quando se gasta três horas, por exemplo, para um serviço marcado para duas, a chefia vem em cima, diz que estamos fazendo corpo mole.


 - E quem são os chefes? - Aí está um problema. Nem sempre foram escolhidos por terem mais capacidade que os subordinados. Como não existem critérios, às vezes são escolhidos os mais enérgicos, os piores de cada seção – aqueles que, na linguagem popular, são conhecidos como puxa-sacos. A primeira coisa que alguns deles fazem após assumir a chefia é deixar de cumprimentar os colegas.


- Por orientação da empresa? - Não sei se é orientação da empresa ou falta de personalidade do sujeito que firma como chefe pisando nos outros. Todo chefe novo é mais enérgico que os velhos. Assim, acho que, por falta de liderança, a primeira coisa que ele acha necessário é ficar inimigo dos demais. Pessoalmente, acho que o respeito tem de ser adquirido e não exigido. Mas em geral a fábrica escolhe para chefe aquele com capacidade de se tornar logo inimigo dos demais, para não dar moleza ao trabalhador.


- E o chefe ganha muito mais? - Não muito. Em média o líder deve ganhar 15 ou 20% mais que o melhor salário da seção.


- As empresas nacionais copiam métodos e organogramas das estrangeiras? - O trabalhador geralmente responde que é melhor trabalhar em multinacional. Porque paga melhor que a nacional. Como brasileiro, defendo o capital nacional. Como dirigente sindical, tenho de registrar que, para os empresários brasileiros, tanto faz ganhar dinheiro aqui como lá fora, exatamente como as multinacionais; importa é o lucro. Muitos empresários liberais dentro de suas fábricas não admitem sequer um acordo coletivo com os empregados – e tratam o trabalhador tão duramente como qualquer multinacional. E remuneram tão mal quanto as empresas estrangeiras. Eles não podem pura e simplesmente querer a defesa do capital nacional em benefício deles, empresários. Já estava na hora de se pensar na defesa do capital nacional em beneficio também da classe trabalhadora. Com isso o empresário nacional mostraria que tem vontade de ver os problemas resolvidos primeiro pelos brasileiros. A primeira providência é celebrar acordos coletivos em todas as empresas nacionais. Assim seria mais fácil mostrar que não é justo vir explorar os brasileiros. As nacionais tinham de ser melhores não apenas na questão salarial, mas também no tratamento dos trabalhadores. Apesar disso, são todas iguais!


- Alguns o acusam de ter sido treinado junto a lideranças americanas. É verdade? - Passei só um dia nos Estados Unidos, fazendo escala numa viagem de volta ao Japão.


- Uma firma chamou o Ministério do Trabalho e o Deops para reprimir a greve. Você acha que no futuro a questão social deixará de ser caso de polícia? - Em primeiro lugar, acho que a partir do momento em que não há baderna, em que a classe demonstra tanta consciência – o trabalhador, pacificamente, apenas desliga sua máquina e fica parado - não vejo por que a intervenção policial. Acho que houve atitude madura e política até dos órgãos de segurança, deixando de intervir. A polícia poderia intervir se o trabalhador estivesse depredando máquinas, danificando o patrimônio.


- Na nossa história sindical a polícia tem sido sempre protagonista... - Mas também em alguns movimentos a gente provoca a intervenção. Meses antes da greve eu vinha alertando que greve não é sinônimo de baderna, e sim de maturidade. Agora, os trabalhadores de São Bernardo do Campo demonstram que estão maduros e bem preparados para fazer greve. Para mim, esse foi o grande motivo que afastou a polícia. Procurei contato com o general Dilermando, comandante do II Exército, exatamente pela minha preocupação com os antecessores. Antes, a greve significava pau em cima. Mas senti na pessoa do general muita compreensão para com os problemas do trabalhador.


- Como foi essa conversa? - Foi no quartel. E falamos de tudo. Levei ao general a visão do trabalhador. Pois em geral as autoridades conversam diretamente com os empregadores – e, com isso, praticamente só ouvem um lado. Procurei mostrar o outro lado – o do trabalhador, que ao fazer greve não estava fazendo subversão.


- Mas o ministro da Fazenda não considerou a greve ilegal? - Evito usar as palavras legal e ilegal. Achei decepcionante a baixeza e a falta de ética de um advogado patronal ao acusar o sindicato. E lembrei que havia um motivo maior para as maquinas pararem – a dor de estômago -, a vontade de ganhar um pouco mais. Eu diria que foi até muito bom. Muita gente esperava abono de emergência, mas isso não resolve. O trabalhador quer reajuste. O próprio governo percebeu que não devia dar abono. É um problema nosso, que deve ser resolvido com o patrão. Conforme expliquei ao general Dilermando, temos o espírito de brasilidade que os empresários – principalmente os das multinacionais – não têm. Ninguém gosta mais desta terra do que o trabalhador.


- Alguns sugeriram que os empresários perderam a disputa por burrice. Que acha disso? - Procuro alertar as autoridades para o cinismo dos empresários. Nenhum deles admite abrir mão sequer de 0,000005 de seus lucros. Durante anos ganharam dinheiro como ninguém ganhou na face da Terra. Agora, jogam a batata nas mãos do governo. É impressionante sua facilidade em culpar o governo por tudo.


- O superintendente da Scania alega já terem sido formadas na empresa comissões de trabalhadores. - Costumo dizer que, em termos de empresários, o Brasil é terra-de-ninguém. Pelo menos em relação às estrangeiras. Fica difícil resolver um problema aqui quando o poder de decisão está na Alemanha, na Suécia, nos Estados Unidos. Ninguém assume a responsabilidade de discutir com o trabalhador.


- No sindicato vocês já sofreram ameaças? - Não. Estaria mentindo se dissesse que sim.


- Em que estágio se encontra a greve no ABC? - Para mim está como começou. Não está acabando. Algumas empresas voltaram a trabalhar, outras estão parando. A greve só vai parar quando for concedido um reajuste geral a todos os trabalhadores.


- Em que legenda pretende votar a 15 de novembro? - Prefiro manter meu voto secreto. Se houver um candidato trabalhador, terá meu voto.


- Acha mesmo que a Igreja age hoje apenas por remorso ao defender os trabalhadores? - Não tenho porque me retratar. Historicamente a Igreja sempre foi conservadora. No momento, tem papel importante através de alguns de seus representantes; o que não significa que esteja ao lado dos trabalhadores.


- E os estudantes? - Em tudo existe gente ruim e gente boa. Ruim no sentido político, e não moral. Conheço estudantes extraordinários. Mas também conheço um grande número de estudantes levianos, pouco responsáveis. E discordo de setores do movimento estudantil que se julgam no direito de tutelar a classe trabalhadora. O movimento estudantil tem papel importante nas transformações políticas, mas eu gostaria que os estudantes deixassem a classe trabalhadora agir por conta própria. Só os trabalhadores poderão resolver o problema dos trabalhadores.


- E qual seria a política ideal para os trabalhadores? - A que permitisse a participação e igualdade de condições com outros setores da sociedade. Em termos salariais, a contratação coletiva do trabalho. Com o pleno exercício do direito de greve.


- E a CGT? - Na estrutura sindical, criar uma CGT seria criar mais um cabide de empregos – uma cúpula sindical – com poucos resultados para os trabalhadores. No Brasil de hoje já há dirigentes sindicais sérios e dispostos a servir a classe.



Manchete, 10 de julho de l979 Entrevista concedida a Nélson Blecher

quarta-feira, 4 de março de 2009

Quinta Entrevista - Folha de São Paulo / 78

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4 de junho de 78

O que podemos observar na entrevista abaixo:
1 – Luís Inácio admite e aprova a ilegalidade Ao dizer que “O ato de ela ter sido julgada ilegal já perdeu o valor, porque o trabalhador a tornou legal, a partir do momento em que a praticou”. Nesta frase demonstra sua falta de seriedade. Pensar que a prática de algo ilegal o torna legal, é uma deformação de valores, é o desprezo pelo certo ou errado. Isso é confirmado logo abaixo quando afirma que “Se o trabalhador ficasse estudando a lei de greve, jamais faria a greve.”
2 – Mente, se esquiva da responsabilidade e evita respostas diretas ▪ Não assume a greve que instigou ao recusar a participação no último dissídio salarial. Como de hábito, joga a responsabilidade da resposta para os outros : “ Quem acompanhou o sindicato ... pode fazer um julgamento melhor do que eu.”) ▪ Diz que o sindicato não declarou a greve, mas admite que procurou “levar mensagens ao trabalhador, fazendo com que ele sentisse a necessidade de chegar às paralisações”. ▪ Comenta sobre a necessidade da criação do fundo desemprego, se escuda em outros países que já têm tal recurso e responde de maneira dissimulada sobre o seu objetivo: “quem sabe, ele sirva até para a sustentação de uma greve”.
3 - Dá a nós, cidadãos, uma lição quando afirma que se nós não temos força para exigir, precisamos nos fortalecer para poder exigir; ao dizer que é possível chegar a uma organização para defender aquilo que é nosso; comenta sobre a necessidade de união para brigar.
4 – Luís Inácio elogia o governo na época que não interferiu na luta entre trabalhadores e empregadores: “ Foi uma posição acertada, deixar que trabalhador e empregador resolvessem seus problemas.”. No entanto, como presidente, quer interferir na necessidade de algumas empresas demitirem funcionários por causa da crise econômica mundial.

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Dez anos depois da greve de Osasco, em l968, a tensão a que chegara a classe trabalhadora era maior do que os estreitos limites da legislação trabalhista imposta pelo poder. E as máquinas começam novamente a parar. Desta vez são os metalúrgicos de São Bernardo que, não suportando mais 15 anos de arrocho salarial, reiniciam a luta por reajustes que reponham o poder aquisitivo perdido. E os donos do poder, já esquecidos de que a classe trabalhadora existia, tiveram que admitir que ela “é parte viva da nação e, como conseqüência disso, ela tem que ser respeitada”. É essa greve de l978 que Lula analisa nesta entrevista. Dado o significado desta greve no movimento operário brasileiro, a análise feita por Lula reveste-se de particular importância. Ele fala da participação do sindicato na greve, das lições que tirou dessa participação, do exemplo que o trabalhador deu à nação da necessidade de um fundo de greve, etc. Mas, sobretudo, mostra que este fato representou um marco na abertura da política sindical, pois a partir daí e depois de muito tempo, operários e patrões passarão a sentar juntos à mesa de negociações, “quebrando uma barreira da política salarial do governo”.

- Você disse várias vezes que “chegará o momento em que a classe trabalhadora medirá forças com a classe empresarial”.  - Esse movimento deu provas disso?
- A única maneira de o trabalhador medir forças com a classe empresarial é com a paralisação. Eu, que mantive contato com vários empresários senti a diferença do comportamento deles antes e depois da greve; é muito mais fácil negociar com os empresários com as máquinas paradas.


- O que você achou do comportamento dos trabalhadores dentro das dentro das fábricas durante a greve? - O trabalhador deu uma boa demonstração de que greve não é baderna, deixando todo mundo perplexo. Mostrou que greve é um direito dele. O trabalhador deu demonstração de maturidade, parando sem fazer estrago algum.


- Nós não podemos dar um caráter anormal ao que aconteceu. A greve foi um fato normal. Foi uma manifestação da classe trabalhadora, que nada mais fez que, pura e simplesmente mostrar que ela existe, que é parte viva da Nação e, como conseqüência disso, e tem que ser respeitada. - Mesmo julgada ilegal você a considera normal? - Mesmo assim eu a considero normal, porque ela foi legítima. Talvez, por falta de hábito, muita gente viu a greve como algo anormal, fantástico. Na verdade, foi uma manifestação de uma classe, que tem como arma nas negociações, como força de barganha, a greve. O ato de ela ter sido julgada ilegal já perdeu o valor, porque o trabalhador a tornou legal, a partir do momento em que a praticou.


- O sindicato esperava por essas greves? - Não é de hoje que eu venho falando que as paralisações iriam acontecer. Apesar de o sindicato não ter decretado a greve, ele procurou levar mensagens ao trabalhador, fazendo com que ele sentisse a necessidade de chegar às paralisações. Quando estive como o senador Petrônio Portela, no começo do ano, fiz questão de falar que isso era irreversível, que uma tomada de posição como essa seria irreversível. Pra mim não nenhuma novidade.

- Quais as formas de atuação do sindicato nas greves? - São as que o de são Bernardo usou. Todas as vezes em que o trabalhador precisou do sindicato ele compareceu, negociando em nome do trabalhador. Por outro lado, eu acho que nós precisamos deixar de apenas criticar a estrutura sindical. Devemos partir pra fazer as coisas. O trabalhador deu o exemplo de que é preciso parar de fazer suposições e partir para a ação, e foi o que ele fez. Se o trabalhador ficasse estudando a lei de greve, jamais faria a greve.



- Quais os vínculos do sindicato com os trabalhadores? - Eu acho que a base é o sindicato. O sindicato nada mais é do que a classe trabalhadora. Esta base é que faz o sindicalismo ser bom e atuante. O que a diretoria deve fazer é coordenar a atuação de suas bases, com propostas nascidas dos próprios trabalhadores.


- A campanha pela reposição salarial, a recusa do sindicato de participar do último dissídio foram fatores que ajudaram a deflagração da greve? - Quem acompanhou o sindicato na campanha de desmascaramento do dissídio coletivo pode fazer um julgamento melhor do que eu, que estava dentro da coisa.


- Para você a greve foi uma surpresa? E a duração? - Os trabalhadores da Ford, que ficaram sete dias parados, deram uma seqüência ao trabalho que os companheiros da Scania começaram. Eu não sei por que a grande imprensa não falou com ênfase da Ford. Eu acredito até que foi pelo fato de nem o sindicato nem a empresa e envolverem de imediato nos problemas dos trabalhadores, mesmo porque os operários da Ford estavam muito conscientes do que estavam fazendo. A empresa tentou fazer pressão para o trabalhador voltar a trabalhar, e não conseguiu. A Volks, onde só os ferramenteiros pararam, chamou mais a atenção da imprensa do que o pessoal da Ford. Na Volks houve muito mais atrito entre trabalhadores e empresa, e na Ford não ouve isso. Greve é uma coisa muito simples de fazer, é só desligar as máquinas, sem provocar ninguém ou obrigar a presença da polícia. Do jeito que os trabalhadores da Ford e da Scania se comportaram eu estava tranqüilo de que ninguém iria botar as mãos neles.


- Qual a lição que o sindicato tirou entre uma paralisação e outra? - O que deu para notar foi a falta de diretores. Às vezes estouravam quatro problemas de uma só vez e não tinha quem mandar para quatro empresas diferentes. Por outro lado, o sindicato aprendeu uma lição: eu sempre preguei à categoria, que as empresas não agüentavam mais de quatro dias paradas, e que com quatro dias paradas, elas todas se abririam para negociar. Mas eu percebi que, quanto maior a empresa mais ela agüenta. A Ford ficou uma semana, a Villares ficou o mesmo tempo parada, sem procurar o sindicato. E tem mais uma lição: a gente precisa criar o fundo desemprego. Ele faz parte do programa desta nova diretoria. Nós vamos tentar colocá-lo em prática o mais depressa possível.


- O fundo desemprego teria como objetivo a sustentação da greve? - O fundo desemprego existe em todos os países do mundo onde o sindicalismo é livre, onde é atuante, e, quem sabe, ele sirva até para a sustentação de uma greve.


- De onde sairia esse fundo? - Nós temos de criá-lo. Não podemos pedir a ninguém. Fica muito fácil a gente pedir. E muito difícil de realizar. O grande mal do sindicalismo brasileiro é exatamente este: querer criar o fundo desemprego; então, chega na época do dissídio e pede para as empresas uma participação no fundo. Se nós não temos força para exigir isso, precisamos primeiro nos fortalecer para poder exigir. Aí quem sabe a coisa comece a vir das empresas e até do governo. Nos fundos de desemprego que existem na França, na Alemanha, há a participação dos trabalhadores das empresas e do governo. Na Inglaterra, o fundo é gerado pelo trabalhador e pelo governo. Mas esse é um passo para mais tarde.


- Na sua opinião, o movimento foi completamente vitorioso? - Não, seria uma utopia da minha parte dizer que foi uma vitória completa, mesmo porque ao foi uma greve de toda a categoria.


- Poderia ter sido? - Poderia ter sido. O que atrapalhou foi o cerceamento do rádio e da televisão. O trabalhador escuta muito rádio, vê muito mais televisão do que lê jornais. Eu diria que foi uma vitória razoável para os trabalhadores que resolveram parar para conseguir alguma coisa. Em termos de abertura da política sindical, foi uma grande vitória. Significou sentar à mesa de negociação com os patrões, e eles, depois de muito tempo, assinaram um acordo, quebrando uma barreira da política salarial do governo.


- Qual foi o comportamento dos empresários desde o omeço da greve? - Os empresários, tanto os nacionais quanto os das multinacionais, continuaram intransigentes como sempre foram. Mesmo com as máquinas paradas, eles foram intransigentes .


- Como você compara o nível de organização dos empresários com o nível de organização dos trabalhadores? - Eu acho que os empresários estão muito mais organizados; aliás, como sempre estiveram. Podem ser concorrentes ou divergentes entre si, mas na hora de brigar com a classe trabalhadora os empresários estão sempre unidos. No momento, não dá para comparar a organização da classe empresarial com a da classe trabalhadora. Com esse movimento, a classe trabalhadora mostrou que é possível chegar a uma organização para defender aquilo que é seu. E quando a classe trabalhadora estiver preparada para parar em conjunto, ela vai ter chance de parar, porque os patrões irão negociar normalmente e não vão pagar para ver.


- Você recebeu apoio de sindicatos até do exterior. Que tipo de apoio recebeu dos sindicatos do Brasil? - Dos sindicatos de base nós recebemos bastante apoio. Mas de federações e confederações não houve nenhum. Quando muito, disseram que a greve era ilegal.


- Com a experiência que o sindicato de São Bernardo adquiriu nestes dois últimos anos, você acha possível a realização de um a convenção coletiva para o ano que vem? - Nós vamos preparar a classe trabalhadora para isso. Nós temos que preparar o trabalhador, se necessário for, até para parar as máquinas na época dos reajustes salariais. É possível chegar a uma convenção sem precisar parar as máquinas. Vai depender do bom senso da classe empresarial. O empresário sabe agora que o trabalhador faz greve.


- Como viu o comportamento do governo durante as greves? - Eu achei que o governo tomou uma posição política boa, salvo as notas dos ministérios da Fazenda e do Trabalho e alguns pronunciamentos de que a greve era ilegal. O governo praticamente não interferiu. Foi uma posição acertada, deixar que trabalhador e empregador resolvessem seus problemas.


 - Você esperava alguma manifestação dos políticos? - Eu nunca esperei. Quem está preocupado com os problemas dos trabalhadores é o próprio trabalhador.


- Muita gente achou que o sindicato deveria ter assumido a greve.
- É uma opinião que eu respeito. Entre o que a pessoa acha, entre o que eu acho e o possível, eu prefiro ficar com o possível.
 

Entrevista concedida a Júlio de Grammont