terça-feira, 24 de maio de 2011

"Entrevista" ao ABCD Jornal



 ABCD Jornal, dezembro de l979

Apresentação

Esta entrevista, bem pequena, mais parece um depoimento, ou melhor,  uma forma  de justificar sua entrada para a proveitosa política.  Nela, Luiz Inácio  faz uma balanço sintético mas muito preciso do movimento sindical nos anos 70. 

Ele considera os anos que vão desde 1970 até l977 como “um dos piores momentos do sindicalismo brasileiro”, e aponta a luta pela reposição salarial, em l977, como um marco no movimento sindical. A partir daí, Lula continua o balanço dos anos 70, mostrando a trajetória da classe trabalhadora que supera sua posição apolítica e toma consciência da necessidade de se organizar politicamente. Daí surge, cresce a e toma força a proposta do Partido dos Trabalhadores.

A década de 70 foi, até l977, um dos piores momentos do sindicalismo brasileiro. Nem diria tanto por causa do próprio regime militar implantado no país, mas também pela inoperância do movimento sindical. Com raríssimas exceções, o sindicalismo brasileiro se entregou ao assistencialismo, ao favoritismo dos dirigentes sindicais, esquecendo-se de agir como órgão de representação, de denúncia dos problemas que envolvem o trabalhador no dia-a-dia. A safadeza dos dirigentes sindicais se igualava à repressão.

Em l977 há a luta pela reposição salarial de 34, lula esta que surgiu muito mais pela necessidade de alguns dirigentes sindicais participarem do descontentamento de toda a sociedade – já tinham se mobilizado naquela época intelectuais, estudantes, empresários, funcionários públicos – do que qualquer outra coisa. É quando alguns dirigentes sindicais se conscientizam de que nada mudaria enquanto não houvesse participação efetiva da classe trabalhadora. A reposição salarial foi um marco.


A partir de então, passamos a denunciar para a classe trabalhadora que grande parte do que tinha sido dito a ela tinha sido mentira. Começamos um processo de valorização do trabalho no sentido de mostrar que as coisas só mudariam a partir do desejo dos trabalhadores. Começamos a mostrar as farsas do dissídio coletivo. E em 78 nem índice reivindicamos. Para mostrar aos trabalhadores que havia sido montado um esquema no Brasil para que o trabalhador acreditasse nas autoridades, na bondade dos empresários e nas mentiras que alguns dirigentes sindicais costumavam contar.

E surgiram as greves de 78, que abriram efetivamente os caminhos por onde os trabalhadores trilham até hoje. Se errado ou certo, se com sucesso ou não, a verdade é que os trabalhadores descobriram que somente parando as máquinas os patrões os temem. (interesse pelo poder, não pelos direitos) Porém, no final da década começamos a fazer a greve pela greve. Em alguns momentos se chegou a usar até um certo sadismo de que quem não fazia greve era pelego. E quem fazia, mesmo não dando certo, era considerado herói.

E não podemos deixar de lado o campo político. Realmente eu era um dirigente apolítico até 77. Foi só com as greves que percebemos a necessidade de participação política.  Vimos que os dois campos estavam muito ligados. Que não adianta ganhar 10% se quem está no poder tem meios para baixar uma política salarial para tirar todas as conquistas da classe trabalhadora.

Resumindo, eu diria que a década de 70, embora apenas com três anos de prática de sindicalismo, foi muito positiva por três coisas básicas:

1. os trabalhadores se redescobriram como único setor da sociedade capaz de propor uma transformação na sociedade.

2. Com este redescobrimento, quebramos de uma vez por todas com a lei antigreve e com uma lei de arrocho salarial.

3. Com tudo isso, descobrimos coisa ainda maior. Que não bastava passar por cima da legislação de exceção e fazer greve. Que não bastava quebrar a lei de arrocho, que só isso não iria solucionar o problema dos trabalhadores. Descobrimos então a necessidade da organização política do trabalhador para que servisse de amparo e de alternativa de organização. Daí a proposta do Partido dos Trabalhadores, PT.


ABCD Jornal, dezembro de l979
Entrevista concedida a Alzira Rodrigues