sábado, 7 de abril de 2012


ESTA É APENAS UMA PARTE DO PRIMEIRO DISCURSO QUE CONSTA DO LIVRO. COMENTÁRIOS E RESTANTE SERÃO COLOCADOS DEPOIS, POIS O DISCURSO É IMENSO. VÁ FALAR TANTO ASSIM LÁ NA ""CAIXA PREGO""!

No dia 14 de março de l979, os metalúrgicos do ABC entraram em greve. No dia 22, no estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, Lula submeteu a uma assembléia de 90.000 trabalhadores um documento assinado por representantes dos patrões e a volta ao trabalho e a constituição de uma comissão integrada por representantes dos trabalhadores, dos empresários e do governo, para estudar, num prazo de 45 dias, um acordo que  pusesse fim ao movimento grevista. 

Nesta assembléia, depois de destacar o significado do comento e de advertir pra o  risco de uma intervenção, Lula colocou-o em votação, e ele foi rejeitado.  No dia seguinte, os sindicatos de São Bernardo do Campo e Diadema, Santo André e São Caetano do Sul sofreram uma intervenção federal. 



Companheiros:

Hoje teremos que tomar aqui, quem sabe, uma decisão muito mais importante ainda do que a decisão que tomamos de entrar em greve.


É importante, muito importante mesmo, que vocês prestem atenção nesse documento.  Esse documento foi feito ontem à noite, datilografado hoje e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano se comprometeram a trazer este documento para apreciação desta assembléia. E não poderia deixar de ser diferente porque, desde que começamos este movimento, tudo o que foi discutido , tudo aquilo que nós ouvimos dos empregadores, a gente trouxe aqui à presença dos senhores, e a diretoria e a comissão de salários se submeteram à decisão máxima deste plenário.


Eu vou ler o documento e vocês prestem bastante atenção porque, antes de eu colocar a minha posição pessoal e a minha posição de presidente do sindicato darei uma série de explicações sobre este documento.


“Na presença do Excelentíssimo Sr. ministro do Trabalho, Dr. Murilo Macedo, os Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Mecânicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema, Santo André, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e São Caetano do Sul, e os Sindicatos Patronais do 14º grupo, Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico, mais a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, procurando conjuntamente soluções elevadas e patrióticas para o problema gerado pelas paralisações do trabalho na região ABC, deliberaram formar um acordo nos seguintes termos: 

1º) Entre os sindicatos metalúrgicos de empregadores e de empregados deliberou-se que os trabalhadores concordam com o retorno ao trabalho e que será assinado o protocolo de intenções já firmado por uma parcela da categoria com as ressalvas constantes das letras seguintes: 

a)         Fica criada uma comissão tripartite, integrada por representantes dos trabalhadores, dos empresários e do governo, com a finalidade de estudar, dentro do prazo de 45 dias, o item 2º do referido protocolo, que dispõe sobre o reajuste salarial dos empregados de empresas que concederam aumentos salariais reais por acordo ou outra forma, entre 2 de abril de l978 e a presente data. 
b)         A representação dos trabalhadores na aludida comissão tripartite será constituída pelos sindicatos profissionais signatários deste acordo e poderá contar com um representante dos signatários do protocolo de intenção.
c)         Competirá ao governo através da ação mediadora do ministro do Trabalho, estabelecer a solução conciliatória, em havendo divergência entre as partes.
d)         Os empresários assumem o formal compromisso de não aplicarem penalidades de quaisquer natureza, inclusive demissão, aos empregados que participaram das paralisações gerais, e durante 120 dias, havendo demissão por outro motivo, será ela comunicada por escrito ao trabalhador dispensado, com as razões determinantes da dispensa.
e)         O valor relativo às horas paradas será adiantado aos trabalhadores mediante vales, os quais serão resgatados no mínimo, através de cinco parcelas, de igual valor à primeira, começando no mês de maio.

2º)  Por sugestão do Sr. ministro do Trabalho, as partes se incumbem de encaminhar ao governo estudos referentes à legislação do FGTS e da estrutura sindical, dentro de 240 dias; da legislação de greve, da nova sistemática da representação sindical e do sistema de negociação coletiva, dentro de l80 dias para análise do Ministério do Trabalho e eventual encaminhamento ao Congresso Nacional de mensagens governamentais que possam resultar em novos instrumentos legais para a regulamentação dessa matéria.

A assinatura deste acordo manifesta o compromisso das partes em levá-lo para a discussão nas assembléias.”



Então, os três sindicatos assinaram este documento, comprometendo-se a trazê-lo para a apreciação da assembléia. 

Agora, algumas explicações que eu acho fundamentais. Peço aos companheiros trabalhadores que prestem bastante atenção. (FEZ COM QUE OS OPERÁRIOS SE SENTISSEM IMPORTANTES, E OUÇAM SUA VOZ).

Vocês viram que a proposta não prevê o aumento imediato de nosso salário.  O que se pede nesse documento é que os trabalhadores voltem a trabalhar de imediato. Dentro de 45dias, a partir da volta ao trabalho, serão discutidos os nossos 11%. Companheiros, deixem eu dar todas as explicações, pois tem muitas explicações, tem muitas mesmo. Diz também o documento que sequer as horas que nós ficamos em greve serão pagas. Essas horas serão descontadas em cinco parcelas, a partir do dia 10 de maio.  Diz também esse documento que as outras coisas, o delegado sindical e outras reivindicações que nós fizemos, serão discutidas apenas, quem sabe, a partir de 180 dias, e algumas a partir do primeiro dia.


Eu queria que vocês entendessem uma coisa muito importante.  Desde o primeiro dia, desde a primeira assembléia que nós fizemos, no sindicato ou aqui, eu disse a vocês que a diretoria do sindicato e a comissão de salários iriam até às últimas conseqüências para conseguir  o nosso aumento de salário.  Gostaria que os companheiros deixassem para se manifestar na hora em que eu terminar as explicações que eu considero de muita valia para todos os trabalhadores.


O Ministério do Trabalho teve, na minha opinião, um comportamento exemplar. Eu nunca tinha visto, nunca – desde ll972 que eu estou no sindicato e desde l975 que eu sou presidente do sindicato - , eu nunca vi um ministro do Trabalho com posições tão honestas  como foram as do Murilo Macedo.  Entretanto, eu nunca vi, mesmo, tanta safadeza como eu dos empresários.

Eu já disse a vocês que os 11º serão discutidos – segundo proposta deles – a partir do nosso retorno ao trabalho.  Entretanto, eu gostaria de alertar os companheiros para uma coisa.  Ontem, pelo menos todos os que estão aqui, ou pelo menos aquelas quase três mil pessoas que se encontravam no sindicato estavam preocupadas, estavam muito preocupadas com uma coisa chamada “intervenção no sindicato”.  Não foram poucos os companheiros que, quando eu cheguei às três e meia da manhã, me procuravam pra saber se iria realmente haver intervenção.  E aqui na assembléia ontem à tarde, os companheiros do Sindicato de Santos, os companheiros do Sindicato dos Petroleiros de Paulínia alertavam os companheiros para irem ao sindicato, porque corríamos o risco de uma intervenção.

CONTINUA...

quinta-feira, 5 de abril de 2012

DISCURSOS - Segunda parte do livro

  

"Este livro foi editado pelo Núcleo Ampliado de Professores
do Partido dos Trabalhadores-PT, de São Paulo"  



Se as entrevistas mostram com clareza a evolução do pensamento de Lula, seus discursos constituem uma prova cabal de sua profunda identificação com a classe trabalhadora, principalmente os metalúrgicos que ele representa através do Sindicato de São Bernardo do Campo e Diadema.  As campanhas salariais conduzidas pela diretoria desse sindicato representaram os momentos cruciais da mobilização dos metalúrgicos do ABC a partir de l978.  Não há dúvida de que essa mobilização teve como um de seus suportes básicos a palavra de Lula.  Falando a seus companheiros numa linguagem direta, clara, por vezes rude, Lula revelava-se não um mestre, mas um igual, um membro do mesmo universo de necessidades, lutas e trabalhos. Ouvindo-o, os trabalhadores ouviam sua própria voz.
Nas assembléias convocadas durante as campanhas salariais, a maioria reunindo dezenas de milhares de trabalhadores – algumas alcançando perto de 100.000 pessoas -, os discursos de Lula foram sempre decisivos quanto a orientação das campanhas e ao comportamento a ser adotado pelos metalúrgicos.  E mais do que isso, é nessas assembléias que, através de pinceladas cruas e realistas, Lula tem revelado a seus ouvintes  o que todos eles conhecem  mas poucos conseguem discernir com clareza:? Os traços cruéis das relações entre capital e trabalho.

A coletânea apresentada neste livro, embora incompleta e contendo discursos truncados pela impossibilidade  de reconstituição integral, mostra de modo claro e suficiente a identidade  de pensamento e ação entre Lula e a classe trabalhadora. A divulgação desses discursos poderá contribuir para aprofundar a reflexão sobre a dura realidade da classe trabalhadora brasileira, mas deverá sobretudo constituir um instrumento capaz de fazer avança a mobilização (avançar rumo à vida política seria mais correto) iniciada em São Bernardo, para a qual a palavra de Lula deu força decisiva.


sábado, 11 de fevereiro de 2012

Entrevista a 'Em Tempo'




10 a 16 de janeiro de 1980.
Lula concedeu esta entrevista três meses antes da greve decretada pelos metalúrgicos no dia 1o. de abril de l980. Aqui ele fala das inovações introduzidas na campanha salarial do ano.
A proposição de estender a luta dos trabalhadores para outros pontos, além da reivindicação por um percentual de aumento, é a primeira inovação apontada por Lula. Ele passa a falar então sobre esses outros pontos e a explicar por que eles são importantes. Analisa também as possibilidades de vitória, faz considerações sobre a mobilização dos trabalhadores em torno das novas reivindicações e fala de sua expectativa quanto à greve nessa campanha.



- Tem sido dito que a campanha de São Bernardo, para o próximo ano, vai inovar em termos do que vem ocorrendo até agora neste ciclo grevista. Como é que está a coisa?
         - Além das reuniões por empresa que cada diretor do sindicato vem fazendo, tirando nomes de companheiros que serão os porta-vozes das propostas do sindicato dentro da empresa e que vão integrar as comissões de negociação, nós estamos tentando inovar, mostrando para o trabalhador que existem algumas brigas mais sérias do que simplesmente por um percentual. Nós temos dito que não adianta o trabalhador obter um bom aumento, se daí a um certo tempo ele é dispensado e quando se emprega novamente volta a receber 40% ou 60% a menos do que antes.
          Em função disto vamos tentar dar ênfase à garantia do emprego e ao salário profissional.
          No Brasil não existe uma definição profissional. Existe aquela feita pelas empresas, mas não uma que o trabalhador apresenta e luta por ela e a reconheça. As empresas dividem os trabalhadores como bem entendem e instauram assim uma concorrência entre eles. E mais, dentro de uma mesma definição profissional estabelecida pela empresa, por exemplo, a de ferramenteiro, você encontra salários desde Cr$ 59,00 até Cr$ 103,00 por hora.
          Este trabalhador de Cr$ 103,00, quando despedido, volta a se empregar com um salário muito mais baixo. Enfim, o trabalhador está sempre começando da estaca zero.
          É como na brincadeira do pau-de-sebo. As empresas colocam o salário teto no alto e põem os trabalhadores brincando de quem chega lá em cima. Assim, vamos lutar na campanha para estabelecer um salário profissional que seja a média dos salários existentes; ou seja, um piso profissional. Não vamos estabelecer um teto, pois isto é questão de capacidade ... de briga dos trabalhadores, é questão da oferta e da procura.
          Esta conquista tem outro lado, que é o de diminuir o medo do trabalhador de ser mandado embora da empresa, uma vez que ele sabe que seu novo emprego não irá remunerá-lo irrisoriamente.
          Enfim, há várias reivindicações que estão latentes no interior das empresas e que devem ser levadas em conta. Por exemplo, a oferta de transporte para o trabalhador, por todas as empresas. Há um mundo de safadagens dentro das empresas que tem que vir à tona.

- Você acredita que estas reivindicações tenham mais chances de vitória?
         - Isto não; toda reivindicação é uma luta. Esta agora é mais sustentável nas discussões com os patrões. Um percentual de 90%, por exemplo, é mais retrucável pelo empregador dizendo que não agüenta, que o culpado das perdas foi o governo, etc. Agora, o piso profissional se escora na lei que diz que para trabalho igual, salário igual.


- Você acha que este tipo de campanha mobiliza mais? Qual sua excpectativa quanto às futuras assembléias?
          - Esta campanha será mobilizadora a partir do momento em que tivermos capacidade de mobilizar os trabalhadores . Aqui em São Bernardo há uma certa frustração das pessoas que se habituaram a ver, durante 15 dias, 90000 pessoas em assembléias. E as pessoas já têm dificuldades em fazer reuniões com pequeno número de trabalhadores. Mas 90000 em um campo de futebol é um resultado de anos de pregação. E quando começam os métodos novos, com inovações na campanha, há que dar tempo. Mas o importante é a criação de uma consciência de reivindicações nos trabalhadores. Por exemplo, o trabalhador tem que compreender bem a figura do delegado sindical; ela tem que deixar de ser uma reivindicação apenas de dirigentes.


 Qual sua espectativa quanto à greve na campanha?
          - Estamos preparando uma campanha salarial e os resultados dela é que levarão ou não os trabalhadores à greve. Todos gostaríamos de fazer um bom acordo sem ser necessário chegar à greve, pois a greve não é um fim, mas sim um meio para se conseguir determinados acordos sem greves. Agora não sei a forma em que será feita a greve. Vamos jogar algumas idéias para os trabalhadores e vermos se é possível chegarmos a algumas formas de pressão dentro das empresas antes de chegarmos às greves gerais.


 Em Tempo, 10 a 16 de janeiro de l980




quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Entrevista a Escritra/Ensaio nº 5,1978 *


* O título está exatamente
como colocado no livro.
 

Entrevista concedida a Maria Te
reza Ribeiro

Um assunto extremamente importante é abordado nesta entrevista: o papel da mulher na sociedade de hoje. Lula afirma que a luta da mulher deve ser conduzida em comum com a do homem, “porque não existem dois tipos de exploração”. Segundo ele, “existe apenas um grupo de trabalhadores, homens ou mulheres, sendo explorados por um patrão”. Não nega porém que, por ser considerada uma força de trabalho secundária, a mulher é mais explorada do que o homem. Daí, admite existirem algumas reivindicações específicas da mulher.
Além desses aspectos, apresenta suas opiniões sobre a atividade doméstica da mulher e seu trabalho fora de casa, o controle da natalidade, o aborto, o machismo e o movimento feminista.

- Como se coloca a mulher trabalhadora na luta por melhores salários e melhores condições de emprego?   - Há testemunho dos próprios homens de que as mulheres estão com muito mais coragem de brigar do que os homens. E ainda: isso é importantíssimo porque elas são um estímulo para que os companheiros trabalhadores continuem brigando. Eu acho que a participação da mulher sempre foi e continuará sendo efetivamente igual ou melhor do que a do próprio homem, em qualquer tipo de luta que a gente trave em termos de classe trabalhadora.

 - Por que você diz que a participação da mulher é um estímulo para o homem?  - Porque a mulher sempre foi tida como o sexo fraco. Acho que em termos de luta de classes ela tem demonstrado exatamente o contrário. A mulher tem tanto ou mais valor que o homem na hora de ir para a briga. A gente tem que aceitar como verdade que a mulher do trabalhador, a esposa do trabalhador é, na verdade, um estímulo para o marido continuar na briga porque, se a mulher for contrária, o marido tende a fraquejar. Se a mulher for favorável, o marido tende a se tornar um baluarte na luta. E a gente tem tido em greves aqui na região alguns casos interessantes. Tivemos o caso de uma mulher que chamou o marido dela de covarde porque estava tentando fraquejar, não estava querendo participar da briga. Então eu acho que a mulher tem um papel preponderante, sabe, nas decisões do homem.

- A mulher trabalhadora tem, naturalmente, reivindicações próprias. Sua luta, por isso seria diferente da do homem?  - Acho que em termos de classe trabalhadora a luta deve ser comum, única, porque não existem dois tipos de exploração. Existe apenas um grupo de trabalhadores, homens ou mulheres, sendo explorados por um patrão. Eu acho que a luta se fixa aí.

- Mas há lugares em que a mulher faz o mesmo trabalho que o homem e tem remuneração inferior.  - É, existem dois aspectos ai. Primeiro, a mulher sofre as consequências do hábito da terra, não é, do hábito do país. Aqui ela é uma força de trabalho secundária, ela trabalha normalmente parta ajudar alguém, o marido, a casa e tal, não é aquela força colocada em primeiro plano, como o homem. Então, as empresas exploram muito esses aspecto, não é, elas contratam uma mulher para fazer o mesmo serviço que o homem pagando muito menos. Por outro lado, as empresas – a grande maioria delas – não estão adaptadas para ter mulheres, porque o banheiro de um homem não é igual ao banheiro de mulher. Não existe nada preparado especificamente para um trabalho feminino, um negócio mais asseado (?). É, são poucas as empresas que têm sanitário preparado exatamente para a mulher usar. Então, eu acho que existem algumas reivindicações especificas da mulher, mas o grosso da briga da mulher trabalhadora é o mesmo que o do homem. Não existe diferença.

 - O fato de ter uma atividade doméstica além de trabalhar fora influi na participação da mulher na luta dos trabalhadores? - Acho que influi, que cansa muito a mulher. Ela é muito mais judiada que o homem porque, além das tarefas domésticas, caseiras, tem o trabalho. E o trabalho doméstico é mais cansativo até do que muitos trabalhos de fábricas, porque é um trabalho muito repetitivo, quer dizer, e a mesma coisa todo dia, toda hora. Passam meses, anos, décadas, e a mulher fazendo o mesmo serviço. É enjoativo demais. Aí eu tiro pela minha mulher, né? Tenho certeza que ela preferiria estar numa fábrica a estar aturando a limpeza da casa, a bagunça que os moleques fazem.  Grande engano para quem, um dia, trabalhadou em uma fábrica, pois não há nada mais repetitivo do que o trabalho de um operário.

- Você acha que a mulher deve trabalhar?  - Eu acho que deve trabalhar. Veja, há dois aspectos que eu costumo analisar. Por exemplo, minha mulher trabalhou até nascer a criança. A partir do momento que ficou com três filhos, era impossível trabalhar. Portanto, enquanto tiver disponibilidade, a mulher deve trabalhar. O que eu acho é que os filhos não devem ser sacarificados, a educação do filho não deve ser sacrificada pelo problema do trabalho da mulher, sabe? Então, quando a pessoa trabalha por prazer é uma coisa, o duro é quando a mulher tem que trabalhar para sobreviver, porque ela coloca em risco a formação da criança. As crianças precisam mais das mães justamente nos primeiros anos de vida, né? Acho que toda mulher deveria evitar trabalhar na época da amamentação do filho, aquele negócio todo. Ou então, ao invés de ela evitar trabalhar, as empresas poderiam se aparelhar para receber a mulher que tivesse concebido um filho há poucos meses.

- Nesse sentido, como é que está a situação das creches?  - Depois do Congresso da Mulher Metalúrgica, o sindicato denunciou isso e passou a reivindicar a construção de creches, no máximo num raio de um quilômetro do local de trabalho. Mas isso não tem acontecido, porque a lei permite às empresas fazerem convênio e não existe a menor atenção à mulher.  Mudou alguma coisa depois de tantos de L.I. na presidência do país?

-As mulheres sabem que têm direito às creches?  - Há um fato muito gozado: quando a gente ganhou a estabilidade da mulher gestante, isso virou faca de dois gumes. Porque aí, quando a mulher que está grávida quer ser mandada embora, a empresa fala: Olha, não mando embora porque o sindicado não deixa. Nós já tivemos caso aqui de mulher que veio vazando leite, dizendo pra nós: Eu quero ser manda embora, não posso trabalhar, meu filho precisa mamar de duas em duas horas e como é que eu vou dar lei pro moleque? Nesse caso, o sindicato e que tem que cavar para a mulher ser mandada embora. O certo é ter creche dentro da empresa, um berçário para a mulher ir lá de duas em duas horas amamentar o filho. Quando muito a criança mama 15, 20 minutos. Não seria tão prejudicial para as empresas, que elas não pudessem ter creche dentro.

- Como você vê o controle da natalidade?  - E sou contra o controle da natalidade aqui no Brasil, que vive ainda com ¾ da sua extensão territorial ainda por ser habitada. Eu acho que a mulher trabalhadora tem tanto direito de ter filho quanto a mulher que não é trabalhadora, sabe? A arte de ter filho é uma coisa tão sagrada que eu acho que não deve ser proibida por lei.
- Não é melhor ela não ter cinco filhos do que deixá-los passar fome?  - Eu acho que a questão é educar o povo para não ter muitos filhos (?), não proibir. A formação cultural de um povo é que permite que ele tenha um filho ou 20. É uma questão de consciência, não só da mulher, mas do homem também, porque a mulher sozinha não gera um filho e, hoje, um homem sozinho já gera, é só usar o laboratório. Os nenês de proveta estão aí, porra. Então, a conscientização tem que ser muito mais do homem do que da própria mulher (?). E há inúmeros meios de se evitar filhos sem prejudicar a saúde da mulher como se prejudica hoje, tomando anticoncepcionais ou coisa parecida. Se eu tivesse condições de criar, de ter gente pra ajudar a educar, aquele negócio todo, eu seria um cara que tentaria convencer minha mulher - ela também adora criança e, como diz o matuto, minha mulher é boa parideira (?).Se a gente vivesse como há 20 anos atrás, com terrenos enormes, sem essa loucura que é hoje, eu seria um cara que teria pelo menos uns dez filhos. Quanta bobagem!  Ninguém controla o corpo de uma mulher, a não ela mesma, a não ser  quando é controlado por sua própria estupidez.
- O que você acha da legalização do aborto?   - Eu posso até ser mal interpretado, sabe, mas sou contra a legalização do aborto. Sou contra a legalização do aborto. Sou contra por dois aspectos, espera aí, sou contra não, minto, minto, minto. Eu sou a favor do aborto. Primeiro porque eu acho que a pessoa pode cometer um erro. Às vezes, nascer a criança é muito mais prejudicial do que praticar o aborto. O que não adiante é a coisa ficar na clandestinidade e acontecerem milhões de casos. Muitas vezes as pessoas perdem a vida arriscando-se a tomar remédios inadequados, arriscando-se a se tratar com pessoas incapacitadas. Então, seria muito melhor legalizar isso, sabe, dar condição de salvar pelo menos a vidas mãe. Para evitar que as mulheres tomem remédios feitos em casa, tentem ir atrás de feiticeiros, de chá de cobra, de enfermeiros, de parteiros, sei lá. O ideal seria que não precisasse ninguém abortar, mas, como existe essa necessidade, o aborto deveria ser legalizado.  Esse seu comentário atrapalhado sou contra e sou a  favor,  lembra um comentário feito por jornalista que fala sobre sua forma de se comportar na época de sindicalista. Dependendo do assunto, antes de discursar, ele colocava duas ou mais pessoas na ‘linha de frente’. Elas dariam opiniões contraditórias, rapidamente, enquanto ele observava a reação dos ouvintes para saber exatamente o que deveria dizer para ser bem aceito em seguida.

- O que você acha do machismo?  - Olha, eu acho que sou machista, e me orgulho disso, sabe? Penso eu o homem não é um ser superior à mulher. Mas ele tem que preservar certas coisas, né? Por exemplo, eu não aceito, por Deus do céu, esse negócio de muita liberdade com mulher minha. Quando eu era noivo, eu nunca fui chegado a ir num lugar e vir outro e abraçar minha mulher, beijar minha mulher, sabe? Eu procuro defender aquilo que é meu. Sabe, eu nem sei se isso é machismo, acho que é a arte de gostar. Quer dizer, eu, mesmo quando não tinha caso mais sério com uma mulher, sempre fui chamado de machista. Se ela não quisesse mais nada, então fosse embora, porque eu não sou chegado a - como se fala? – dividir. Nada daquilo que eu considero meu, principalmente em se tratando de mulher, eu gosto de dividir. Bem, portanto, eu sou machista, sou ciumento, eu não gosto que minha mulher fique zanzando não, não tem esse negócio de ir a festinha sozinha, não tem nada disso. E eu gosto que minha mulher seja assim comigo. Minha mulher é ciumenta, eu sou ciumento, acho que isso integra muito a gente., faz sentir que a gente quer tomar conta um do outro. O que não pode é  largar, como muita larga aí, né, e quando vai tentar pegar já não tem mais. Se isso é ser machista, eu sou machista. Penso que tem que ser dividida a responsabilidade: nem a mulher tem que ser mais do que o homem, e muitas vezes querem ser, nem o homem tem que ser mais do a mulher. Eu, por exemplo, quando minha mulher trabalhava, ela não sabia quanto eu ganhava; e ainda hoje é assim. Não que eu negue pra ela, é que nunca houve necessidade de eu contar. Se ela quiser saber, não tem problema nenhum. Minha mulher, por exemplo, não me pede dinheiro, nunca me pediu. Minha mulher é incapaz de mexer na minha carteira. Se eu mandar minha mulher abrir minha carteira, ela ao abre, sabe, ela pega para eu abrir. Portanto, num casal deve existir entendimento, isto é, nenhum querer ser mais do que o outro, nenhum querer dar provas de que é melhor do que o outro. Os dois unidos serão muito mais fortes do que os dois divididos. Então, se o marido e a mulher trabalham, no fim do mês devem juntar os dois pagamentos, parar as contas e ver o que sobra ou o que falta.
-O que você acha do movimento feminista?  - Não entendo bem o que é o movimento feminista, eu não sei qual é o seu objetivo. Penso que a mulher poder ser advogada, pode ser médica, um montão de coisas. Agora, você querer que uma mulher trabalhe numa picareta no meio da rua, pé querer acabar com a meiguice feminina. Deve existir alguma coisa na mulher pra cativar o homem. Assim, se você pega uma mulher de macacão no meio da rua, qual é o homem que vai sentir alguma atração por ela? E a mulher tem outros problemas: uma mulher que está amamentando um filho não pode estar na rua cavando buraco. Entretanto,o homem pode, o homem está livre disso. Daí eu achar que em algumas profissões a mulher tem condição de ser muito superior ao homem. Ela tem dado demonstração de que pode, entende? Agora, o que a gente percebe é que algumas feministas, com esse negócio de deixar o cabelo do sovaco crescer, são ridículas , né? Acho que é até questão de higiene. Tenho medo de que esse negócio de feminismo em algumas pessoas seja frustração, sabe? Agora, a mulher deve brigar pela independência dela, é o mínimo que pode fazer. Ela precisa começar a brigar dentro do lar dela, com os pais dela, precisa começar a brigar dentro do seu trabalho pra ser igual aos homens.

 - Qual a mulher ideal para você? - A minha.
 
- Você gosta de ser homem?  - Se eu tivesse que nascer outra vez eu gostaria de nascer homem. Acho que é melhor ser homem.
- Por quê?  - Por vários aspectos, sabe? O homem não tem a preocupação de ficar grávido, o homem não tem determinadas preocupações que são próprias da fêmea.

- Quantos filhos você tem?  - Três homens. Um de sete, outro de quatro anos e um de três meses. L.I. não citou a outra filha Lurian, que foi ‘descoberta’ pelos marketeiros da campanha de Collor, mas nem por isso ela deixou de se aproveitar das oportunidades oferecidas pelo pai quando se tornou presidente.  Além disso,  aí está a falsidade de L.I.:  para se fazer de bom moço, endeusou a maternidade, enquanto ignorava a filha que já havia nascido sem sua ""autorização""" .

 - Sua mulher trabalha em casa, não é, cuidando dos três filhos. Que você acha do trabalho dela?  - Olha, eu sinto muita pena do trabalho de minha mulher. Primeiro, porque a gente não pode ter empregada; segundo, porque eu chego em caso e sinto, na fisionomia da minha mulher, que está mais cansada do que qual quer operário que trabalhou o ia inteiro na fábrica. Porque não é brincadeira, não, cuidar da casa, lavar roupa, dar mamadeira, trocar a molecada. Realmente é um trabalho que cansa muito mais que numa fábrica. O trabalho que a mulher tem dentre do lar é muito mais dignificante que qualquer trabalho que outra pessoa possa fazer.

- O trabalho dela e tão importante quanto o seu?  - É mais importante que o meu. Sabe, o dela é a arte da agüentação, que eu não tenho aqui no sindicato, porque eu convivo com muitas pessoas, atendo muita gente, não fico bitolado e, em casa a mulher fica bitolada.

- Você acha que o trabalho de sua mulher é uma condição para que o seu possa existir, já que se preocupa com a casa?  - É, eu acho que é. Eu acho o seguinte: a minha mulher, se fosse pra ser remunerada, deveria ganhar até mais do que eu. Não só minha mulher. Qualquer mulher que cuida de um lar deveria ter um salário. A gente fala que é a mulher, mas, na verdade, as mulheres são tratadas como empregadas. São, porque, veja o problema da minha mulher. Eu saio de casa às 8 da manhã e chego em casa à meia-noite, todo dia. Quer dizer, chego em casa pra tomar banho, trocar de roupa, deixar roupa pra ela, sabe, e saio no outro dia de manhã. Não atenho tempo de brincar com as crianças, não tenho tempo de pegar a molecada no colo, quer dizer,praticamente eu só vou lá pra comer e trocar de roupa.
         Ainda aos domingos eu tenho eu tenho que receber jornalista, tenho que sair não sei pra quê, é aquele negócio todo. Na prática , minha mulher não precisa pedir dinheiro nenhum, porque eu vou deixando dinheiro em casa. O meu salário teria que ser dividido: X é teu e X é meu. Não ia mudar nada o tratamento pra com ela. Mas, lamentavelmente, a coisa não é desse jeito, a formação cultural de todo brasileiro ainda não evoluiu a ponto de o cara entender melhor o trabalho caseiro.Ele desvaloriza muito esse tipo de trabalho e eu digo isso porque, às vezes, sou obrigado a ficar em casa, né? Quando minha mulher foi ter o último filho, eu fiquei em casa com os dois moleques. Aí eu realmente fiquei sabendo o que é ser mãe, o que é tomar conta de uma casa.

 - Como é a educação de seus filhos?  - É um dos motivos pelo qual eu estou pensando seriamente em largar o sindicato. É que eu percebo que meus filhos sentem muito a minha falta. Acho que estou dando muita responsabilidade à minha mulher quanto à educação deles, quando eu deveria repartir essa responsabilidade. E não reparto não porque não quero, não reparto porque não estou tendo tempo de repartir esse tempo com minha esposa. Isso pode atrapalhar o crescimento das crianças, a educação delas, e eu preciso ajudar.


* Devido a um lapso involuntário,
esta entrevista foi incluída entre as de l979.
Sua publicação, na realidade,
ocorreu em 1978. (N.E.)
ESTA OBSERVAÇÃO ESTÁ NO LIVRO)